Quem costuma passear pela orla de Macapá nem imagina que há 65 anos o espaço era ocupado por manguezais e criação de gado. O bairro Santa Inês era conhecido como Vacaria por conta do seu Antonio Barbosa, que foi o pioneiro na criação de gado na região.
Um dos mais tradicionais, o bairro faz parte da história da capital. Na segunda reportagem da série especial “Macapá de encontros”, a Prefeitura conta como o Santa Inês foi e é lugar de representantes da pluralidade da metrópole.
O Santa Inês sempre teve uma ligação forte com a economia e cultura do estado. Hoje é um bairro nobre, mas na época era considerado periferia por conta do fluxo de imigrantes que vinham das ilhas do Pará comercializar produtos como açaí, peixes e camarão. Com o tempo, eles passaram também a construir palafitas e se instalar no local.
Esse cenário muda com a eleição do primeiro governador, Aníbal Barcelos, em 1979, que urbanizou o espaço. “Barcelos derruba as palafitas e desloca as famílias para onde é hoje o bairro Nova Esperança”, conta o jornalista há mais de 30 anos, Reginaldo Borges. O então governador da época aterra o lugar e constrói casas em madeira padronizada para abrigar as famílias. Além disso, Barcelos mudou o nome de ‘Vacaria’ para ‘Santa Inês’.
O olhar de quem viveu nessa época
Dona Miraci Pantoja Leão, de 53 anos, viveu o tempo da Vacaria do seu Barbosa. Sua família foi uma das contempladas com as casas de madeira padronizada construídas por Barcelos. Ela conta que o seu Barbosa tinha um sítio e vendia bois, vacas e leite para todos que moravam ao seu redor. “Ninguém entrava no espaço, porque ele dizia que era tudo dele”, lembra a moradora.
“A casa do meu pai era onde hoje funciona o Centro de Covid Santa Inês, só que a água era tão forte que estava invadindo a nossa casa”
Miraci Pantoja Leão
Nessa época, o governador Barcelos aterrou a área da Pedro Lazarino até a praça do Skate, depois loteou os terrenos e construiu casas para as pessoas que já residiam no local. “Até hoje eu lembro da reunião que ele fez para quem ia receber as casas e nós fomos contemplados”, conta a moradora.
O pai dela, seu Frutuoso Gonçalves Leão, já falecido, era dono de um comércio no antigo Leão da Doca – onde hoje funciona o Banco do Brasil. Na sala da casa, ela lembra com carinho do comércio de seu pai, que foi emoldurado em um quadro para dar de presente à sua mãe, dona Raimunda Pantoja Leão, de 79 anos. Lembra também de outros momentos que passou no bairro, como quando aprendeu a dirigir e quando conheceu seu marido, que faleceu ano passado em decorrência da Covid-19. Miraci tem três filhos.
O Santa Inês faz parte da sua história de vida. A família é composta por dez irmãos, inclusive, dois moram também no bairro Santa Inês. Como herança, seu pai deixou terrenos em nome da família. Hoje, ela não é mais moradora do bairro, mas sempre que pode, vai à casa de sua mãe relembrar os bons momentos vividos no local.
Seu Barbosa: o pioneiro da Vacaria
O blog Porta Retrato, dedicado a contar a história do Amapá por meio de pesquisas do jornalista e professor João Lázaro, narra que seu Barbosa, como era conhecido, nasceu na Bahia em 1910. Ele chegou ao Amapá em 1954 e se instalou em Santo Antônio do Jari. Lá, construiu uma estrada que ligava a produção de castanha e seringa e um porto de navio cargueiro.
Em 1957, ele se muda para Macapá para fazer parte da história de criação do bairro Santa Inês. A esposa, Benedita da Silveira, era quem coordenava a distribuição de leites na Vacaria. Seu Barbosa foi vereador nas duas primeiras legislaturas da Câmara Municipal de Macapá, foi também presidente e fundador da Cooperativa Mista e teve criação de gado premiada em todas as exposições que participou.
Seu Barbosa faleceu em 1996 e está sepultado junto com a sua esposa e os filhos, em um jazigo da família, no cemitério de Nossa Senhora da Conceição, no Centro de Macapá.
Rampa do açaí: história, cultura e geração de renda
O que antes era a central de distribuição de leite, hoje é o ponto de encontro de embarcações e batedores de açaí que trabalham no comércio do fruto. Quem nunca passou pela Orla de Macapá em uma manhã de sol (ou de chuva) e observou uma movimentação de produtores comercializando açaí e camarão?
A rampa do açaí é tradicionalmente um ponto de geração de emprego e renda em Macapá, além de ser considerado um espaço histórico e cultural. Foi na época da Vacaria que a rampa começou a se construir. Após a urbanização realizada pelo governador Barcelos foi montada a estrutura da rampa do açaí.
E com essa estrutura, os produtores foram se firmando cada vez mais. Em 2021, a rampa do açaí passou a ser observada com mais atenção pela gestão municipal. Foi instalado no local tendas e banheiros químicos para os empreendedores terem mais comodidade nas suas vendas.
Nilson Nogueira é vendedor de açaí e atua na rampa há 12 anos. Para ele, a estrutura representa dignidade e respeito com todos que trabalham dia e noite e de domingo a domingo. “Um trabalho que melhorou a nossa vida”, ressaltou.