AS LAVADEIRAS DO IGARAPÉ DAS MULHERES

Cedo da manhã, das ruas de toda a encosta da ladeira central da cidade, desciam apressadamente numerosos grupos de mulheres. Arrastavam seus tamancos de odalisca triste pelas avenidas, e os cachorros de rua latindo raivosos às suas passagens. Carregavam enormes cestos de vime ou tala como eram conhecidos à época, cheios de roupas sujas, e para proteger a cabeça e ajudar a manter o equilíbrio usavam “rodilha” ou “sogra”, pano enrolado em forma de coroa, sobre o qual colocavam o cesto. À beira do igarapé, juntavam a parte traseira à dianteira da saia, fazendo um nó que tomava o aspecto de bermuda. Enrolavam-na pelo cós e amarravam à cintura com cipó ou fio, de modo a encurtála até os joelhos ou pouco acima, descalçavam os tamancos, entravam na água e se debruçavam sobre o pequeno igarapé sem perigo de serem malvistas pelas costas. O aglomerado se tornava palco de confusão pela disputa dos melhores lugares. Às vezes era necessário chamar a Guarda Territorial para acalmar os ânimos. Mulheres simples, dispostas, trabalhadoras anônimas -,de pele queimada do sol, rosto enrugado e mãos calejadas pelo árduo trabalho de lavar, esfregar, torcer e bater… Era a dura realidade da vida. Retiravam do cotidiano dolorido a subsistência. A maioria, era de negras descendentes de escravos ou ribeirinhas sendo poucas mulheres brancas. desenvolviam suas fainas cantando, para espantar seus males. Ficavam dentro d’água por muitas horas, até a pele enrugar. No intervalo do almoço aproveitavam o exíguo espaço de tempo para socializar – conversavam com canoeiros, pescadores, carroceiros e pessoas da comunidade. Instantes de solidariedade em que toda e qualquer diferença fosse esquecida; compartilhavam experiencias, transmitiam e mantinham as tradições de receitas, remédios, rezas e benzeções absorvidas de suas mães e avós. O encontro revigorava vínculos de amizades. As peças de roupas estendidas em galhos de árvores para quarar ou secar sob um sol escaldante, formavam uma paleta de cores de encher os olhos a beira das águas. Ao entardecer, recompunham o vestuário, calçavam os tamancos e subiam a encosta com o grande balaio na cabeça. Essas mulheres fizeram parte da paisagem da cidade, e seus serviços eram muito requisitados pelas famílias de classe média alta. O atributo de inferioridade social que lhes foi conferido ao longo da história, contribuiu para tornar seus trabalhos quase invisíveis e irrelevantes. Manifestaram nuanças de seus costumes e tradições culturais em um espaço público, transportando o resultado de seus serviços pelas ruas da cidade. A reurbanização interferiu no cotidiano dessas mulheres, bem como em sua maneira de trabalhar e se relacionar com a cidade. Mas afinal, quem eram essas mulheres que desciam a pé as ladeiras, arremedos de avenidas pois não tinham o traçado lógico da topografia, eram vielas de chão batido, caminhos tomados pelo mato e ousavam despertar o sono e a ira dos cães? Eram guerreiras, verbo e poesia… AS LAVADEIRAS DO IGARAPÉ DAS MULHERES.
(Autor: JOSÉ BARROS MACHADO – Graduado em Marketing e Publicidade; Jornalista, com especialização em Cerimonial Público e Privado)

Prefeitura de Macapá inaugura Monumento “Mulheres do Igarapé” e eterniza a história das lavadeiras na Orla da cidade
Escultor trouxe muito de sua memória afetiva na composição da obra que reverencia a história de mulheres, que direta ou indiretamente, contribuíram para o desenvolvimento da capital
Mary Paes

A história do Igarapé das Mulheres, hoje chamado bairro Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, inicia na década de 1940, quando o Amapá ainda era Território e pertencia ao estado do Pará.
O local recebeu este nome em homenagem às mulheres que lavavam roupas às margens do rio Amazonas. Naquela época, de acordo com as histórias contadas pelos mais antigos, as margens do rio eram diferentes do que se vê hoje, não havia muros de arrimo. O local mais se parecia com uma praia de água doce, formando igarapés ao longo da Orla, sombreados pelas árvores ao chegar da tarde, e muitas pedras que brotavam nas baixas das marés. E nessas pedras, as mulheres lavavam as roupas de suas famílias e das famílias de seus patrões. Cenário apropriado à inspiração do poeta, que vê além do óbvio, enxerga a alma daquelas mulheres do Igarapé, como canta Osmar Júnior em uma de suas canções mais famosas. “Eu lembro a alegria/Boiar naquelas águas/E ver as lavadeiras lavando a dor”.
E é com o olhar de criança, que não vê a dor, mas a beleza que a inocência permite, e com a consciência do homem adulto que reconhece o valor de sua história, que o artista se inspira e cria sua obra.
Assim nasce o monumento “Mulheres do Igarapé”, não apenas para homenagear as mulheres lavadeiras do igarapé, mas para imortalizá-las.
O artista J.Marcio, autor do Monumento, conta que trouxe muito de sua memória afetiva da infância para compor o projeto. Ele morava com a família na Orla da cidade e acompanhava a mãe que vinha, junto de outras mulheres, lavar as roupas no rio. “Quando fui convidado pelo prefeito de Macapá, Dr. Furlan para criar uma obra que valorizasse as lavadeiras, automaticamente me lembrei de quando vinha com minha mãe para a beira do rio”, disse o escultor. Para as crianças era uma alegria. “Nadar, brincar com os amigos, ver os barcos que se aproximavam, era tudo muito divertido”, lembra o artista.
É como diz na canção já citada “A minha nave, um tronco navegava/As estrelas, entre as palafitas/E as lavadeiras”, revela o imaginário infantil dos filhos e netos que acompanhavam suas mães e avós nos afazeres à beira do Amazonas.
O monumento evidencia três gerações, a filha, a mãe e a avó. Trazendo essas mulheres genuinamente amapaenses, representando as mulheres de toda a Amazônia. Muitas delas, por meio do trabalho que desenvolviam, foram o esteio de suas famílias.
A obra enaltece “As mulheres do igarapé; As Joanas, Marias, Deusas, Margaridas” e muitas outras anônimas que contribuíram para a história da linda cidade de Macapá.
Sobre o Monumento
O Monumento “Mulheres do Igarapé” está localizado na Praça Jaci Barata Jucá, área central da cidade. A Praça, uma das mais antigas da capital, foi totalmente reconstruída pela Prefeitura de Macapá e faz parte do projeto Orla Viva. Este projeto busca estruturar a Orla da cidade com áreas de contemplação, quadras de esportes, reformas de infraestrutura e iluminação de led, além de fomentar o turismo e a economia local.
Para a composição do monumento, o artista J.Marcio contou com a parceria do escultor Jonas Modesto, de 23 anos e mais 6 profissionais auxiliares. Um desses auxiliares é o pedreiro Maurino Ferreira da Silva, de 70 anos de idade e 40 anos de profissão. Foi a primeira do senhor Maurino, trabalhando na composição de uma obra de arte. “É uma sensação diferente trabalhar nessa obra. Porque estamos construindo uma história e estou aprendendo coisas novas. Não importa a idade que a gente tem, sempre temos coisas a aprender e a ensinar”, enfatizou Maurino, sorridente.
As três obras são modeladas em ferro, revestidas de cimento, cobertas com seladores e massa acrílica. A estrutura da menina em pé mede 6,8 metros, a mãe tem 4,5 metros e a avó, 5 metros. As esculturas ficam de costas para o rio e de frente para a cidade, com intuito de que os turistas e visitantes locais, possam compor o cenário de seus registros fotográficos incluindo o majestoso rio Amazonas.
A cidade fica mais bonita a partir do conhecimento da história do povo que a construiu. Viver Macapá e seu povo é um dos compromissos da Prefeitura, por meio do projeto Orla Viva e outros projetos de reconstrução e criação de novos espaços, nos quatro cantos da capital.
As citações no texto são trechos da canção “Igarapé das Mulheres”, de autoria do poeta, cantor e compositor amapaense, Osmar Junior.